Santo Amaro, na Zona Sul, é uma potência. O bairro, fundado em 15 de janeiro de 1552, dois anos antes da fundação da Capital, é a região mais industrializada e populosa da cidade. Com aproximadamente 700 indústrias e 3,5 milhões de moradores, possui a terceira maior arrecadação de impostos do Estado, superada somente por Campinas e São Bernardo do Campo, e tem 35 mil estabelecimentos comerciais. Ao mesmo tempo, os problemas da região, que conta com pontos nobres e paupérrimos além de muitas favelas, são também gigantescos.
A idade do bairro, que foi municipio até 1935, quando perdeu autonomia após decreto do interventor federal Armando de Salles Oliveira, é contestada pela historiadora Maria Helena Petrillo Berardi, para quem Santo Amaro tem, na verdade, 437 anos de existência (Ano de fundação: 1560). Berço de bandeirantes como Borba Gato, habitada por indios guaianazes e colonizada por alemães que se tornaram ‘mais caipiras que os caipiras’, o bairro participou ativamente de importantes momentos da história brasileira. Em 1560, João Paes e Suzana Rodrigues deram aos jesuítas, a imagem de Santo Amaro para ser entronizada.
No mesmo ano, o padre José de Anchieta rezou a primeira missa na capela, hoje Igreja Matriz ou Catedral de Santo Amaro. Em 1832, a freguesia foi elevada a categoria de município e, cem anos depois, em plena Revolução Constitucionalista deu, através de 300 combatentes que ocuparam as fronteiras do Paraná, sua contribuição na luta contra a Ditadura Vargas. Em 1935 o municipio foi anexado a Capital.
As versões para a perda de autonomia são a participação do então municipio na Revolução, dívida de 500 contos de réis, que Santo Amaro teria com a Capital, e interesses da multinacional Light and Power na ocupação da região. Os autonomistas de Santo Amaro tentaram, em 1958 e 1985, fazer com que o bairro voltasse a ser municipio independente. Hoje, com grande número de migrantes nordestinos, o bairro mantém a tradição religiosa, com as cavalgadas de romeiros em direção a Pirapora do Bom Jesus.
Artista faz criticas a ferrovia
Criador da estátua de Borba Gato, uma das marcas do bairro, e da escultura da Mãe Preta, no Largo do Paissandu região Central, entre outras obras, Júlio Guerra, de 84 anos, aparenta àqueles cientistas alemães dos filmes antigos, e descendente de uma das mais tradicionais famílias santamarenses, faz questão de se entitular artista amador. “Faço arte para mim mesmo. O profissional trabalha para os outros e eu não trabalho para ninguém”, destaca.
Além de amador, o artista se define como um vagabundo que sabe viver e tem tempo de observar os detalhes. Na opinião dele, a maior parte das pessoas trabalha mais do que precisa por conta da ambição de acumular bens. “Eu não tenho ambição. Só vendo meus quadros para alguns poucos amigos e detesto ganhar dinheiro, já que posso viver bem com o pouco que possuo. Ninguém consegue medir o valor da arte”, diz.
Sobre Santo Amaro, de onde jamais saiu, Júlio afirma que o bairro tinha características típicas de cidades do Interior, com duas bandas de música e dois jornais, para criar alguma concorrência. Para ele, a ferrovia da Light and Power (linha de trem e posteriormente, de bonde) atrapalhou o progresso do bairro, porque os preços das passagens da Vila Mariana até Santo Amaro – 700 réis na época – eram muito superiores aos da tarifa do bonde para outros bairros, que custava 200 réis. “Ninguém queria vir morar aqui, porque com o dinheiro gasto no trem daria para alugar uma casa na Vila Mariana”, explica. O artista não se incomoda com críticas de parte da população à estátua de Borba Gato, que é chamada de palhaço, boi mascarado e boneco. “Como diziam os gregos, o que mata é a indiferença”, afirma.
Teatro faz homenagem a poeta
“O homem sonha monumentos e só ruínas semeia para pousadas dos ventos”. O profético trecho do poema O Sobrado, que relembra um dos antigos prédios demolidos de Santo Amaro, é uma das marcas do poeta romântico Paulo Emilio de Salles, conhecido como Paulo Eiró, que morreu em 27 de junho de 1871, aos 36 anos, e dá nome a teatro no bairro. Muito atuante, o poeta cantou a abolição dez anos antes de Castro Alves, e foi também um dos primeiros a defender a República como forma de Governo.
O poeta chegou a cursar um ano de direito na Faculdade do Largo São Francisco, e se notabilizava pela grande inteligência e aguçada sensibilidade, que se traduziam em uma incessante produção literária. Ao iniciar o segundo ano do curso, Paulo Eiró, que estaria abalado pela perda de um grande amor, começa a apresentar sinais de desequilíbrio mental. Abandona os estudos e volta para Santo Amaro, onde os parentes tentam fazê-lo descansar. Passa a viajar constantemente e volta sempre insatisfeito. Tem ainda, alguns intervalos de equilíbrio, quando escreve seus últimos versos. Sem outra saída, seus parentes o internam no Manicômio da Ladeira da Tabatinguera, onde o poeta vive seis anos até morrer, vítima de meningite.
Outro grande personagem santamarense é o bandeirante Manuel de Borba Gato, integrante da tradicional familia Borba. Ele nasceu no bairro e morreu em 1718, com mais de 90 anos, em Sabará (MG), cidade histórica que ajudou a fundar e se tornou governador, sendo homenageado com uma estátua. Casado com uma das filhas do bandeirante Fernão Dias Pais Leme 'O Caçador de Esmeraldas' (1608-1681), Borba Gato percorreu as selvas em busca de riquezas e foi acusado da morte do explorador espanhol Rodrigo Castelo Branco, refugiando-se em Minas e sendo perdoado, já idoso, em troca de revelar a localização das jazidas de ouro que descobrira.
Moacir Assunção, Diario Popular, 18/01/1997
Ministério da Educação e Cultura, 1970
Ministério da Educação e Cultura, 1970
NOTA ADICIONAL: O artista plástico Júlio Guerra faleceu em Santo Amaro, no dia 21 de janeiro de 2001, aos 89 anos, vítima de câncer.
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