quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Após Duas Décadas, Pesquisadores de Limeira Identificam o Descobridor da Doença de Chagas

Joseph Cooper Reinhardt
Um mistério da medicina mundial foi desvendado em Limeira, no Interior do Estado. Um grupo de pesquisadores do Pró-Memória, órgão ligado à Secretaria de Cultura daquela cidade, conseguiu identificar no final de julho de 1997, depois de quase duas décadas de buscas, o homem que descobriu e fez as primeiras descrições mundiais da Doença de Chagas. Trata-se do médico, naturalista e aventureiro norte-americano Joseph Cooper Reinhardt, que viveu em Limeira e Campinas, onde morreu, há mais de 100 anos. 
O doutor Cooper, como era conhecido naquela região do Estado, identificou pela primeira vez os sintomas que caracterizam a doença, durante suas andanças pelo Interior paulista em 1850. Ele a chamou de 'Mal do Engasgo', nome que se manteve nos tratados de medicina até o início do Século XX, quando o cientista brasileiro Carlos Chagas descobriu o protozoário Trypanosoma cruzii, transmissor da doença, e seu vetor, o Bicho Barbeiro
Daniel Parish Kidder 
 (NY, EUA, 1815 - 
Illinois, EUA, 1891)
Desde o início do Século XX, quando o 'Mal do Engasgo' passou a ser chamado de Doença de Chagas, inúmeros pesquisadores buscaram em vão a identidade de Cooper. Em 1980, graças a uma pista vaga, o professor Odilon Nogueira de Matos, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Camp), retomou as investigações. Ele leu referências sobre a passagem de dois pastores evangélicos pelo Brasil, entre 1836 e 1855, Daniel Parish Kidder (1815-1891) e James Cooley Fletcher (1823-1901), precursores da religião metodista no País, que peregrinaram por diversas cidades do Interior paulista e, nessas andanças, teriam conhecido o tal 'doutor' que diagnosticara o 'Mal do Engasgo'.
Odilon Nogueira de Matos 
(Piratininga, SP, 05/05/1916 - 
Campinas, SP, 17/02/2008)
Com essa informação nas mãos, o professor Nogueira de Matos resolveu pedir auxílio ao sociólogo Wilson José Caritá, no Pró-Memória de Limeira. Caritá tem um vasto conhecimento da bibliografia histórica do Interior paulista. Não foi difícil para ele, descobrir que os missionários Kidder e Fletcher haviam escrito livros importantes sobre o que viram e viveram no Interior do Estado. Uma dessas obras, “Sketches of Residences and Travels in Brazil”, de Kidder, foi editado apenas nos Estados Unidos, em 1845. 
Duas décadas depois, em 1865, Fletcher ampliou esse material e o editou também no Brasil, em dois volumes, com o título “O Brasil e os Brasileiros”. Os dois livros falavam longamente de um certo 'doutor', oriundo da Pensilvânia, nos Estados Unidos, 'amante da natureza, estudioso de botânica e geologia'. Segundo o autor, ele viera ao Brasil acompanhado de outros cientistas norte-americanos para estudar a flora e a mineralogia destas terras ao sul do Equador. Foi Fletcher, também, quem relatou que o tal 'doutor' era o único médico conhecido em todo o País a diagnosticar “uma estranha doença aqui existente”. Em julho de 1855, a notícia da existência do 'Mal do Engasgo', a partir de uma comunicação feita por Fletcher, era publicada no Jornal do Comércio, de Nova York, Costa Leste dos Estados Unidos.
Carlos Ribeiro Justiniano das Chagas 
(Oliveira, MG, 09/07/1879 - RJ, 08/11/1934) 
- Foto: Fundação Oswaldo Cruz
O relato sobre a vida do ‘doutor' no livro de Fletcher não era pequeno. Ocupava várias páginas, em diferentes capítulos. O missionário conta que, tanto ele como seu compatriota Kidder, chegaram a se hospedar algumas vezes na residência do 'doutor' quando ele ainda vivia em Limeira. Nas páginas 112 e 113 de “O Brasil e os Brasileiros”, Fletcher chega a invadir a vida privada do “doutor”. 
Joseph Cooper Reinhardt, acerca de 1831.
- Foto: Centro de Memória da Unicamp
Conta que ele, quando “tinha escritório em cidade do Interior paulista” conheceu uma brasileira, viúva, por quem se apaixonou. Era Ana Corrêa de Matos. “Por estar casado com as florestas virgens, não desejando outro casamento, fugiu para as matas. De regresso de sua viagem, ele cedeu e casou. Tiveram um filho, George Washington”, relata. Apesar desta profusão de detalhes, o livro do missionário não revelava uma informação básica: o nome do tal 'doutor'. ”Difícil saber se essa falha era intencional ou um deslize do autor”, comenta Caritá. De qualquer forma, a partir de então, ele foi obrigado a tomar outro caminho. “Fiz um levantamento minucioso nos livros de nascimentos e óbitos da Cúria Diocesana de Limeira”, lembra. O caminho mais óbvio era descobrir o registro de George Washington, o filho do casal. “Mas esse registro não existe em Limeira”, observa. A partir dos registros dos óbitos, Caritá localizou todos os nomes de americanos que faleceram na cidade. Procurou então seus descendentes. Novo fracasso. “Não conseguimos uma única pista concreta”, recorda ele.
No final dos anos 80, a única referência sobre um médico americano que teria vivido na cidade, no século XIX, foi fornecida por um antigo morador, José Borrelli. Ele se lembrava de histórias contadas por sua avó, falecida há muito, sobre um certo doutor Harry ou Harris. Mas as investigações feitas sobre esses nomes levaram a nada. “Hoje, imaginamos que Harry ou Harris podia ser uma adaptação, feita através dos tempos, do segundo sobrenome do doutor Cooper, Reinhardt”, afirma a socióloga Maria José Ferreira de Araújo Ribeiro, diretora do Pró-Memória de Limeira e uma das principais responsáveis pelas investigações.
Em 1989, depois de ter perseguido sem sucesso todas as pistas que cruzaram seu caminho, Caritá desistiu das investigações. Mas em 1993, uma casualidade levou o professor a retomar as buscas. Assim que assumiu o Departamento de Memória Histórica e Arquitetônica de Cultura de Limeira, ele conheceu Maria José. Ela ouvira vagas referências sobre o 'doutor', que teria vivido alguns anos em Santa Bárbara D´Oeste, cidade próxima a Limeira.
Durante dois anos, Caritás interrogou centenas de descendentes de americanos da cidade. Chegou a procurar diversas famílias que haviam migrado para Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Novamente, tudo em vão.
Maria Luíza Pinto de Moura 
(1924-2004) 
Foto: Pró-Memória de Campinas
A figura do 'doutor', que já se tornara quase etérea para os dois pesquisadores, adquiriu forma, abruptamente, no final de 95. Maria José visitava o Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas, e lá conheceu Maria Luiza Pinto de Moura, uma das associadas. Luiza lembrou uma história que ouvira ainda criança, em sua família. Seus avós contavam de uma parente distante, uma viúva chamada Rita, que havia se casado, no Século XIX, com um médico de origem norte-americana em Limeira. Foi um estalo! A socióloga Maria José investiu de corpo e alma nessa nova pista.
A partir de entrevistas com familiares de Luiza, foi finalmente descoberto o nome do 'doutor': Joseph Cooper Reinhardt. Dois anos antes da passagem de Fletcher pelo Brasil, este médico havia sido investigado pela Câmara de Vereadores de São Paulo, que falava da “existência aqui de um doutor, exercendo medicina sem ter apresentado seu diploma”. Cooper foi ouvido em janeiro de 1857 pela Câmara Paulistana, mas o livro de atas desse período desapareceu e seu depoimento foi perdido para sempre.
Joseph Cooper Reinhardt e seu irmão William, 
 em foto tirada no Brasil entre 1859 e 1865. 
- Acervo: Centro de Memória da Unicamp
Os familiares de Luiza diziam que Cooper - falecido em Campinas, a 25 de agosto de 1873, com cerca de 63 anos - realmente tivera um filho chamado George Washington e um outro, batizado Lincoln. Mas, apesar de todas essas evidências, ainda não havia uma prova definitiva de que Cooper era mesmo o 'doutor' que havia identificado e descrito o 'Mal do Engasgo'.
“Senti que estávamos na pista certa, mas tudo ainda era baseado apenas em depoimentos e referências vagas”, conta Caritá. Aliás, como descobriria nos meses seguintes, a história de Cooper não era exatamente aquela que os livros contavam.
Maria José e Caritá descobriram que a vida do doutor Cooper em Campinas foi muito transparente. Encontraram várias referências em diferentes arquivos. A muIher com quem se casara não se chamava Rita. Era, na verdade, Ana Corrêa de Matos, nascida em Sorocaba. O filho chamado George Washington era uma lenda. Este era o nome da fragata em que Cooper percorrera o mundo. Seu filho chamava-se André Jackson Reinhardt, e Lincoln era seu neto. O segundo filho chamava-se Benjamin. 
Consultório do doutor Cooper, em Campinas 
- Acervo: Centro de Memória da Unicamp
Cooper atendeu, até o fim de sua vida, em um consultório na rua 14 de Dezembro, esquina com a Doutor Quirino, no Centro de Campinas. No começo do Século XX, transformou-se em nome de rua, na Vila Marieta. A rua Joseph Cooper Reinhardt é uma travessa da Washington Luís, que começa na Francisco Chiaffitelli e termina na João Egídio, próxima ao Cemitério da Saudade. “Apesar de todas essas informações, ainda não podíamos garantir que Cooper era realmente o médico que descobrira o 'Mal do Engasgo', lembra Caritá.
A pista conclusiva foi encontrada em 18 de julho de 1997. A partir de algumas aquarelas pintadas por Cooper, os pesquisadores descobriram que ele, exímio desenhista, assinava suas telas como H.Lewis. Abriu-se a partir daí, uma infinidade de referências. O cruzamento de vários documentos permitiu concluir que Lewis e Cooper eram a mesma pessoa, ou seja, o misterioso 'doutor' que havia diagnosticado o 'Mal do Engasgo'.
Depois de anos de pesquisa, esses documentos foram finalmente encaminhados aos centros de História e Memória brasileiros, americanos e europeus em julho de 1997. "Antes do final deste ano deveremos publicar um relatório detalhado destas pesquisas", conclui o persistente Caritá.
Paulo San Martin, Revista Já, 24/08/1997

NOTA: De acordo com o Pró-Memória de Campinas, o Professor Odilon Nogueira de Matos, membro da Academia Paulista de Letras, da Academia Paulista de História e do Instituto Histórico Brasileiro, faleceu em 17 de fevereiro de 2008, aos 91 anos; e a Sra. Maria Luíza Silveira Pinto de Moura, associada do Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas, faleceu em 29 de janeiro de 2004, aos 80 anos.

Um comentário:

  1. Maria Luiza pinto de Moura foi secretária do Centro de Ciências Letras e Artes de campinas durante muitos anos. Tinha um importante acervo de postais e fotos antigas de Campinas.

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