No célebre 7 de setembro de 1822, Dom Pedro estava a caminho de São Paulo para controlar uma revolta incentivada por portugueses.
"O Grito do Ipiranga", quadro de Pedro Américo (1843-1905) pintado em 1888 |
Em 7 de setembro de 1822 o príncipe regente Dom Pedro vinha de Santos quando já proximo de seu destino foi alcançado por dois mensageiros que lhe entregaram diversas cartas. Uma delas de autoria de sua mulher, Princesa Leopoldina, o aconselhava a proclamar a independência pois a corte portuguesa pretendia retomar o processo de colonização do Brasil. Indignado então, Dom Pedro bradou a célebre frase “ independência ou morte”
É assim que se tem ensinado as crianças o famoso episódio ocorrido na colina do Ipiranga há exatos 175 anos. O que não se explica nos bancos escolares é porque ele vinha de Santos já que morava no Rio de Janeiro então capital do vice reino. Teria vindo de navio até aquele porto e depois subido de cavalo rumo ao planalto?. E que motivo o trouxera ao território paulista?. Encontrar-se com Domitila de Castro, depois conhecida como Marquesa de Santos? Não. Porque ele nem a conhecia ainda.
Dom Pedro veio a Provincia de São Paulo por causa de uma quartelada, uma rebelião patrocinada por forças simpáticas a Portugal. Na verdade, não desembarcou em Santos, Viajou a cavalo pelo Vale do Paraíba para colocar ordem na bagunça que reinava na cidade de São Paulo. Depois foi até o litoral para apaziguar os ânimos das tropas revoltadas contra a “bernarda” como eram conhecidas na época as rebeliões contra as instituições estabelecidas
José Clemente Pereira (1787-1854) |
O golpe fora desfechado em 23 de maio de 1822 pelo Partido Português depois de perceber que a conspiração pela independência do Brasil costurada por maçons e liderada pelos irmãos Andrada ganhava vulto, esse processo vinha rolando havia tempos e teve um de seus grandes momentos em 9 de janeiro de 1822. Naquele dia o príncipe regente – que fora intimado pela corte portuguesa para retornar a Portugal para que o Brasil fosse recolonizado – anunciou sua celebre resposta para o presidente do Senado da Câmara do Rio de Janeiro José Clemente Pereira: “Como é para o bem de todos e felicidade geral da nação estou pronto: diga ao povo que fico” O episódio que contou com a participação da Maçonaria ficou conhecido como o Dia do Fico.
João Carlos Augusto de Oeynhausen Gravenburg (1776-1838) foi Presidente da Província de São Paulo (1819-1822) |
Martim Francisco Ribeiro de Andrada e Silva (1775-1844) foi deputado e Ministro da Fazenda no Segundo Império |
A decisão do príncipe regente irritou dois dos maiores líderes da causa portuguesa em solo brasileiro: o juiz de fora José da Costa Carvalho e o brigadeiro Francisco Inácio de Sousa Queirós, que moravam no Rio. Em 23 de maio os partidários de Francisco Inácio na Capital paulista puseram as tropas na rua formando no Largo de São Gonçalo, hoje Largo da Liberdade, Em seguida convocaram a Câmara e depuseram Martim Francisco e outro membro da junta, o brigadeiro Manoel Rodrigues Jordão.
José da Costa Carvalho e Souza Queirós
1º Comandante Militar de Santos, Xavier de Almeida, começou a subir a Serra do Mar com suas tropas para enquadrar os golpistas. Recebeu o apoio da Câmara de Itu, que também tomou posição contraria aos inimigos da independência do Brasil. Muito ousados, eles não avaliaram bem a gravidade do ato que haviam cometido em São Paulo. Resolveram então recuar pedindo a Dom Pedro que viesse a São Paulo para resolver a situação. O convite foi aceito.
O príncipe regente deixou o Rio de Janeiro em 14 de agosto de 1822. Seu primeiro pouso foi em Venda Grande, onde o padre Belchior Pinheiro, tio de José Bonifacio, juntou-se a comitiva. Dali em diante foram festas, banquetes e missas em cada vila pela qual ele e seus homens passavam. O fundador do império brasileiro teve seu nome até ligado a culinária, pois lhe serviram pratos regionais que nunca tinha provado. Elogiou as iguarias, muitas das quais passaram a ser servidas a moda Dom Pedro I.
Em 24 de agosto, Dom Pedro chegou a Penha, na Zona Leste da Capital, à tarde. Lá foi seu derradeiro pouso. No dia seguinte ele era recebido com festa na Capital paulista. Depôs a junta que se instalara no poder e passou o bastão para Xavier de Almeida como já havia determinado. Em seguida rumou para Santos com o objetivo de acalmar as tropas e anunciar que os “bernardistas” já estavam fora do poder. Feito isso subiu a Serra do Mar.
Quando já se encontrava no Sitio do Piranga como era chamada aquela região da cidade, vieram ao seu encontro os mensageiros Paulo Bregaro e Antonio Cordeiro, de quem recebeu documentos das cortes portuguesas que o intimavam a retornar a Europa e deixavam claro o propósito lusitano de rebaixar o Brasil de Vice Reinado para Colônia. A remessa incluía ainda, cartas de sua mulher e de José Bonifacio, aconselhando-o a reagir a intimação lusitana declarando a independência do Brasil. E foi o que ele fez. Eram quatro horas da tarde daquele 7 de setembro de 1822;
Quem vê o célebre quadro de Pedro Américo sobre a Independência do Brasil imagina que Dom Pedro convocou uma grande manifestação para marcar o rompimento com Portugal. Testemunhas oculares contudo afirmaram que o Grito do Ipiranga nada teve de retumbante. Esse é o caso do padre Belchior Pinheiro, que integrava a comitiva do príncipe regente naquela viagem. Segundo ele, o fundador do Império do Brasil cavalgava, na verdade, uma besta e não o cavalo baio pintado por Américo.
Em carta escrita em 1826 a Manoel Joaquim da Rocha, o religioso conta detalhadamente os fatos ocorridos naquela tarde de setembro de 1822. Segundo o padre, Dom Pedro mandou que ele lesse em voz alta os documentos que lhe foram entregues por Paulo Bregaro e Antonio Cordeiro: uma instrução das cortes tratando-o como rebelde e intimando-o a voltar para Portugal, uma carta de Dom Joao VI, outra de sua mulher Leopoldina e outra de José Bonifacio.
“ Dom Pedro, tremendo de raiva, arrancou das minhas mãos os papéis e, amarrotando-os, pisou-os e deixou-os na relva, Eu os apanhei e guardei. Depois, abotoando-se e compondo-se a fardeta (pois vinha de quebrar o corpo a margem do riacho do Ipiranga, agoniado por uma desinteria) voltou-se para mim e disse:
- e agora Padre Belchior?
E eu respondi prontamente
- Se Vossa Alteza não se faz rei do Brasil, será prisioneiro das cortes e será talvez deserdado por elas. Não há outro caminho senão a independência e a separação.
Dom Pedro caminhou alguns passos , silenciosamente acompanhado por mim, em direção aos nossos animais que se achavam a beira da estrada De repente, estancou lá no meio da estrada dizendo:
_Padre Belchior, eles o querem, eles terão a sua conta. As cortes me perseguem, chamam-me com desprezo de 'rapazinho' e de ‘brasileiro’, pois verão agora o quanto vale o rapazinho. De hoje em diante estão quebradas as nossas relações, nada mais quero do Governo português e proclamo o Brasil para sempre separado de Portugal.
Respondemos imediatamente com entusiasmo
-Viva a liberdade! Viva o Brasil separado! Viva Dom Pedro!
O príncipe virou-se para seu ajudante de ordens e disse:
-Dize a minha guarda que que eu acabo de fazer a independência do Brasil. Estamos separados de Portugal.
Manoel Marcondes de Oliveira Melo Barão de Pindamonhangaba, onde nasceu em 1780. Era fazendeiro e 1º Comandante da Guarda de Honra Morreu em 6 de agosto de 1863. |
O barão de Pindamonhangaba foi outra testemunha ilustre do grito do Ipiranga, pois naquele dia, ele comandava a linha de frente da comitiva de Dom Pedro. Em relato feito a João Romeiro, ele relata assim o episódio:
"Chegando ao Ipiranga, sem que ninguém aparecesse, fiz parar a guarda junto a uma casinhola que ficava a beira da estrada, a margem daquele riacho. Para prevenir qualquer surpresa, mandei o guarda Manoel de Godoi, que era dos mais moços, colocar-se de atalaia em um lugar de onde pudesse descobrir a aproximação do príncipe.
Tomando essa providência, apeamos e nos pusemos a descansar conforme era natural.
Poucos minutos poderiam ter se passado depois da retirada dos viajantes (Bregaro e Cordeiro) eis que percebemos que o guarda que estava de vigia vinha apressadamente em direção ao ponto em que nos achavamos. Compreendi o que aquilo queria dizer, e imediatamente mandei formar a guarda para receber Dom Pedro que devia entrar na cidade em duas alas. Mas tão apressado vinha o príncipe, que chegou antes que alguns soldados tivessem tempo de alcançar as selas.
Havia de ser quatro horas da tarde mais ou menos.
Vinha o principe na frente. Vendo-o voltar-se para o nosso lado, saímos ao seu encontro. Diante da guarda que descrevia um semicírculo, estacou o seu animal, e de espada desembainhada bradou:
- Amigos! Estão para sempre quebrados os laços que nos ligaram ao Governo Português! E aos topes (emblemas lusitanos no alto dos chapéus) que os indicam como súditos daquela nação, convido-os a fazerdes assim.
E arrancando do chapéu que ali trazia, a fita azul e branca, a arrojou no chão, sendo nisto acompanhada por toda a guarda, que tirando dos braços o mesmo distintivo lhe deu igual destino.
Depois de vivas ao Brasil independente e a Dom Pedro, seu defensor perpétuo, o príncipe ainda bradou “Será nossa divisa de ora em diante – Independência ou Morte - a que fizeram coro todos os componentes da comitiva.
Odair Rodrigues Alves, Revista Já 7/9/1997
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