Noite de Natal
Oh, noite bela! O céu sereno
Tem o azulado manto pleno
de estrelas, Noite Triunfal!
Recorta o azul, a meiga lua
Gôndola branca que flutua
No etéreo oceano sideral!
Trecho do poema de Manuel Baptista Cepellos
pivô do chamado "Crime do Senador"
Rua Benjamin Constant, onde ficava a Mansão Peixoto Gomide |
Na tarde daquele dia, o dono do casarão, o senador Francisco de Assis Peixoto Gomide, então com 56 anos, assassinou a filha Sophia, de 22, e se suicidou. A notícia se espalhou como rastilho de pólvora e rapidamente chegaram a residência, politicos secretários de Estado, Juizes, promotores públicos, empresários e parentes de Peixoto Gomide, que na época era Presidente do Senado Paulista. A atitude do velho político causou perplexidade, pois Peixoto Gomide era considerado um homem equilibrado.
Segundo depoimentos de empregados, pai e filha conversavam na sala de jantar, tendo sido interrompidos duas vezes por uma cozinheira - na primeira para levar um chá com torradas e na outra para apanhar a louça. Sentada à mesa, a moça bordava um lençol, enquanto o senador andava de um lado para o outro. Ele parou e encostou um revólver Smith & Wesson na testa de Sophia.
- O que é isso, meu pai? espantou-se a garota.
-Não é nada. - respondeu o senador, apertando o gatilho em seguida.
O impacto fez com que a moça fosse jogada pra trás, rolando pelo chão. Sua morte foi instantânea. Com o barulho, apareceram na sala a mulher de Peixoto Gomide, Ambrosina, dois de seus filhos, Gnesa e Alceu, e uma criada. Mudo, o senador mantinha o braço estendido, como se estivesse escolhendo uma nova vítima. Chegou a apontar a arma para Gnesa, mas a empregada, aos gritos, o convenceu a baixar o revólver. Em seguida, caminhou tranquilamente até a sala de visitas e encostou o Smith&Wesson no ouvido esquerdo e puxou o gatilho. A arma falhou. Então ele rodou o tambor e disparou de novo, caindo junto ao piano, mortalmente ferido.
O pivô da tragédia, ao que tudo indica, foi o promotor público e poeta Manuel Baptista Cepellos. Ele se apaixonou por Sophia e pediu a um político do Interior que intercedesse junto a Peixoto Gomide para namorar a garota. O senador não apenas permitiu, como em 1905, reuniu os amigos para comunicar o casamento de Sophia com o promotor. A cerimônia seria em 27 de janeiro de 1906, mas os comentários maldosos o fizeram mudar de idéia.
"E não é que o Gomide vai casar a filha com um ex-soldado, um boêmio...um poeta" Essa era a frase mais ouvida na cidade, segundo René Thiollier, autor do livro 'Episódios da minha Vida'. A fama do futuro genro infernizava o senador, que passou a ser alvo de chacotas. Colegas do Senado e pessoas que o encontravam na rua maldiziam o ofício de fazer poesia.
Peixoto Gomide era do tempo em que a palavra empenhada valia mais do que o documento assinado. Por isso preferiu matar Sophia e se suicidar a ter de recuar em sua decisão.
Nobre até hoje
Casado com Ambrosina Pinto Nunes Gomide, Francisco de Assis Peixoto Gomide teve ainda os filhos Bruno, Mário, Alceu e Gnesa. Ele deixou grande herança, mas o casarão em estilo neoclássico da rua Benjamin Constant cedeu lugar a um prédio comercial de cinco andares.
Paulistano, nascido em 24 de março de 1849, Peixoto Gomide formou-se pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco em 1873. Como jornalista, em Amparo, fundou junto com Bernardino de Campos, o jornal republicano A Época, Foi ainda colaborador do jornal Diário Popular e Vereador na Câmara Municipal de Amparo.
De volta a Capital, foi nomeado Inspetor do Tesouro Estadual, e depois presidente do Conselho da Caixa Econômica do Estado. Eleito senador Estadual em 1894, foi Presidente da Província de São Paulo por três vezes. Estava ocupando o sétimo mandato na presidência do Senado Paulista quando morreu.
O senador também virou nome de rua na região mais nobre da cidade, os Jardins. A rua Peixoto Gomide se estende da Rua Augusta à Estados Unidos e abriga alguns dos mais sofisticados prédios da Capital. mas poucos que passam por ali conhecem a tragédia que se abateu sobre a familia Peixoto Gomide.
A Tragédia do poeta
Ao mesmo tempo em que cumpria as suas obrigações como soldado do Corpo Municipal Permanente - transformado em Força Pública - exercitava a arte de escrever poesias. Dedicado, galgou rapidamente o posto de capitão.
Mas não era suficiente para ele, um homem ambicioso. Matriculou-se no Anexo da Faculdade de Direito do Largo São Francisco em 1895, onde estudou, entre outros, com Bruno Peixoto Gomide, irmão de Sophia.
Formou-se e, como não conseguiu fazer carreira como advogado na Capital, ingressou no Ministério Público. Foi promotor em Ipiaí, Sarapuí, e no inicio de 1906, transferido para a Comarca de Itapetininga, que na época era uma das mais importantes do Estado. Não pôde comparecer ao enterro da namorada e do pai dela por estar em meio a um julgamento no Interior.
Enquanto analisava processos, Baptista Cepellos construia sua obra literária, era o poeta preferido de Olavo Bilac. O Diário Popular foi o primeiro jornal a aproveitar uma de suas poesias. Publicou 'Noite de Natal' em 1892, ano em que era delegado de polícia em Santa Rita do Passa Quatro.
Desgostoso com a morte de Sophia, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde nunca conseguiu se firmar profissionalmente. Teve até de vender os seus livros de porta em porta, para pagar casa e comida. Em 7 de maio de 1915, suicidou-se saltando de uma pedreira na rua Pedro Américo, na Lapa.
Matéria de Renato Savarese e Wilson Cocchi, Revista Já 22/12/1996.
Nenhum comentário:
Postar um comentário