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domingo, 28 de agosto de 2011

Preconceito e arrependimento levaram o senador Peixoto Gomide a derramar o próprio sangue na Capital, no inicio do século XX

Noite de Natal

Oh, noite bela! O céu sereno
Tem o azulado manto pleno
de estrelas, Noite Triunfal!
Recorta o azul, a meiga lua
Gôndola branca que flutua
No etéreo oceano sideral!

Trecho do poema de Manuel Baptista Cepellos
pivô do chamado "Crime do Senador"

Rua Benjamin Constant, onde ficava a Mansão Peixoto Gomide
O casarão em estilo neoclássico no número 25 da rua Benjamin Constant era um dos endereços mais sofisticados da Capital. Festas dignas da nobreza européia - com muito champanhe francês, caviar e valsas vienenses - encantavam a vizinhança , que se reunia na calçada para acompanhar a chegada dos convivas. Em 20 de janeiro de 1906, uma pequena multidão voltou a se formar na frente da casa, mas por uma razão nada festiva.
Na tarde daquele dia, o dono do casarão, o senador Francisco de Assis Peixoto Gomide, então com 56 anos, assassinou a filha Sophia, de 22, e se suicidou. A notícia se espalhou como rastilho de pólvora e rapidamente chegaram a residência, politicos secretários de Estado, Juizes, promotores públicos, empresários e parentes de Peixoto Gomide, que na época era Presidente do Senado Paulista. A atitude do velho político causou perplexidade, pois Peixoto Gomide era considerado um homem equilibrado.
Segundo depoimentos de empregados, pai e filha conversavam na sala de jantar, tendo sido interrompidos duas vezes por uma cozinheira - na primeira para levar um chá com torradas e na outra para apanhar a louça. Sentada à mesa, a moça bordava um lençol, enquanto o senador andava de um lado para o outro. Ele parou e encostou um revólver Smith & Wesson na testa de Sophia.
- O que é isso, meu pai? espantou-se a garota.
-Não é nada. - respondeu o senador, apertando o gatilho em seguida.
O impacto fez com que a moça fosse jogada pra trás, rolando pelo chão. Sua morte foi instantânea. Com o barulho, apareceram na sala a mulher de Peixoto Gomide, Ambrosina, dois de seus filhos, Gnesa e Alceu, e uma criada. Mudo, o senador mantinha o braço estendido, como se estivesse escolhendo uma nova vítima. Chegou a apontar a arma para Gnesa, mas a empregada, aos gritos, o convenceu a baixar o revólver. Em seguida, caminhou tranquilamente até a sala de visitas e encostou o Smith&Wesson no ouvido esquerdo e puxou o gatilho. A arma falhou. Então ele rodou o tambor e disparou de novo, caindo junto ao piano, mortalmente ferido.
O pivô da tragédia, ao que tudo indica, foi o promotor público e poeta Manuel Baptista Cepellos. Ele se apaixonou por Sophia e pediu a um político do Interior que intercedesse junto a Peixoto Gomide para namorar a garota. O senador não apenas permitiu, como em 1905, reuniu os amigos para comunicar o casamento de Sophia com o promotor. A cerimônia seria em 27 de janeiro de 1906, mas os comentários maldosos o fizeram mudar de idéia.
"E não é que o Gomide vai casar a filha com um ex-soldado, um boêmio...um poeta" Essa era a frase mais ouvida na cidade, segundo René Thiollier, autor do livro 'Episódios da minha Vida'. A fama do futuro genro infernizava o senador, que passou a ser alvo de chacotas. Colegas do Senado e pessoas que o encontravam na rua maldiziam o ofício de fazer poesia. 
Peixoto Gomide era do tempo em que a palavra empenhada valia mais do que o documento assinado. Por isso preferiu matar Sophia e se suicidar a ter de recuar em sua decisão.

Foto do final do Século XIX, onde aparecem o Dr. Antônio Caetano de Campos (1844-1891), diretor da escola Normal e reformador do ensino público; Antônio Mercado (Antônio Maria Honorato Mercado, 1853-1937), Secretário do Governo; Engenheiro Paula Souza (Antônio Francisco de Paula Souza,  1843-1917) diretor da Escola Politécnica e da Superintendência de Obras Públicas; Prudente José de Moraes Barros (1841-1902), Governador da Província de São Paulo e depois Presidente da República; Bernardino de Campos (Bernardino José de Campos Júnior, 1841-1915), chefe da Polícia; Peixoto Gomide, na época Presidente do Conselho da caixa Econômica do Estado, e Coronel Lisboa, (João Nepomuceno Pereira Lisboa, 1852-1917) Comandante da Força Pública (acervo do Dr. Modesto Carvalhosa).

Nobre até hoje

Casado com Ambrosina Pinto Nunes Gomide, Francisco de Assis Peixoto Gomide teve ainda os filhos Bruno, Mário, Alceu e Gnesa. Ele deixou grande herança, mas o casarão em estilo neoclássico da rua Benjamin Constant cedeu lugar a um prédio comercial de cinco andares.
Paulistano, nascido em 24 de março de 1849, Peixoto Gomide formou-se pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco em 1873. Como jornalista, em Amparo, fundou junto com Bernardino de Campos, o jornal republicano A Época, Foi ainda colaborador do jornal Diário Popular e Vereador na Câmara Municipal de Amparo.
De volta a Capital, foi nomeado Inspetor do Tesouro Estadual, e depois presidente do Conselho da Caixa Econômica do Estado. Eleito senador Estadual em 1894, foi Presidente da Província de São Paulo por três vezes. Estava ocupando o sétimo mandato na presidência do Senado Paulista quando morreu.
O senador também virou nome de rua na região mais nobre da cidade, os Jardins. A rua Peixoto Gomide se estende da Rua Augusta à Estados Unidos e abriga alguns dos mais sofisticados prédios da Capital. mas poucos que passam por ali conhecem a tragédia que se abateu sobre a familia Peixoto Gomide.

A Tragédia do poeta


Natural de Cotia, na Grande São Paulo,.onde nasceu em 10 de dezembro de 1872. Manuel Baptista Cepellos teve uma infância humilde. Filho do professor primário João Baptista Cepellos, ele trabalhou em serviços rudes, foi um autodidata e sempre acalentou o sonho de ser um poeta famoso.
Ao mesmo tempo em que cumpria as suas obrigações como soldado do Corpo Municipal Permanente - transformado em Força Pública - exercitava a arte de escrever poesias. Dedicado, galgou rapidamente o posto de capitão.
Mas não era suficiente para ele, um homem ambicioso. Matriculou-se no Anexo da Faculdade de Direito do Largo São Francisco em 1895, onde estudou, entre outros, com Bruno Peixoto Gomide, irmão de Sophia.
Formou-se e, como não conseguiu fazer carreira como advogado na Capital, ingressou no Ministério Público. Foi promotor em Ipiaí, Sarapuí, e no inicio de 1906, transferido para a Comarca de Itapetininga, que na época era uma das mais importantes do Estado. Não pôde comparecer ao enterro da namorada e do pai dela por estar em meio a um julgamento no Interior.
Enquanto analisava processos, Baptista Cepellos construia sua obra literária, era o poeta preferido de Olavo Bilac. O Diário Popular foi o primeiro jornal a  aproveitar uma de suas poesias. Publicou 'Noite de Natal' em 1892, ano em que era delegado de polícia em Santa Rita do Passa Quatro.
Desgostoso com a morte de Sophia, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde nunca conseguiu se firmar profissionalmente. Teve até de vender os seus livros de porta em porta, para pagar casa e comida. Em 7 de maio de 1915, suicidou-se saltando de uma pedreira na rua Pedro Américo, na Lapa.

Matéria de Renato Savarese e Wilson Cocchi, Revista Já 22/12/1996.

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